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22 DE ABRIL DE 1952 825

pela colheita do seu café, se os preços do produto se mostrarem pouco remuneradores, ou, quando a cotação se elevar, o café escoar-se-á, através das fronteiras terrestres ou por via marítima, para colónias vizinhas, onde o espera tratamento mais generoso.
Não duvido de que quem tal afirmou conheça, teoricamente e de visu, Angola tão razoavelmente como eu e esteja em dia com a realidade africana.
Mesmo quem não andar muito familiarizado com a psicologia dos indígenas angolanos sabe que os possuidores de plantações de café - cuja produção se calcula em mais de 10:000 toneladas - não trocarão a relativamente fácil colheita deste género, criado na sua mata próxima, pela extensa e laboriosa cultura do milho, por exemplo.
Pode lá comparar-se o trabalho requerido pela lavra do cereal com o requerido pela do café, para o nativo quase reduzido à plantação e à leve e simples apanha! E quanto a proventos, basta confrontar os preços pagos aos indígenas por 1 quilograma de cada um dos produtos: $70-$80 o milho; acima de 10$ o café!
Por mais pessimistas que sejamos, o valor unitário do café aparecerá sempre muito mais elevado de que o do milho (ou de outro qualquer género produzido pelos nativos), gramínea que, no entanto, os indígenas de Angola nunca deixaram de cultivar e cujo valor figura em segundo lugar na escala das principais mercadorias da exportação geral da província. E entre as populações incultas de Angola cada vez mais se enraíza e amplia a noção do valor do dinheiro e, impulsionadas por indomável progresso económico e social, jamais abandonarão a rendosa colheita do seu café.
Depois, não percebo também as razões por que, se até agora, em período de altos preços do café, os nativos nunca fizeram contrabando, hão-de realizá-lo de futuro! Tudo leva a acreditar que o contrabando pressuposto deva encaminhar-se para o Congo Belga - hipótese esta só de encarar para o café do Congo Português, dado que o do Amboim fica muito distante das fronteiras luso-belga, da Rodésia e do Sudoeste Africano; porque se não tem praticado este contrabando para o Congo Belga, se a Bélgica é um dos melhores clientes do café de Angola e o paga mais caro do que se o recebesse por intermédio do seu território africano?
E, se não concebo a possibilidade de contrabando indígena do café (seria estulto pensar no contrabando das sementes de algodão, do sisal e do manganês!), mais me recuso a admitir a ideia de que os colonos brancos o venham a promover ou a efectuar.
Sr. Presidente: tenho pelos portugueses de Angola - funcionários públicos e particulares - grande respeito e muita consideração.
Desde 1934, ano em que visitei Angola pela primeira vez, venho apreciando a simpática e acolhedora convivência e o extraordinário labor - porfiado, exaustivo e corajoso - dos colonos angolanos, autênticos portugueses de lei, entre os quais conto numerosos e bons amigos, pertencentes a todas as classes sociais - funcionários públicos, missionários, agricultores, comerciantes e industriais -, com quem me relacionei através da imensidade do território da província, que percorri em todas as direcções: do Maiombe ao deserto de Moçâmedes; de Noqui à foz do Cunene; da fronteira do Cuango a Namacunde; do litoral a Vila Luso; da Lunda às regiões do Cuando ...
Conheci agricultores e comerciantes, quer em períodos de deslumbrante prosperidade material, quer em períodos de apavorante crise financeira, e, se nas fases de desafogo não se mostram soberbos, tão-pouco nas fases de miséria perderam a coragem e a feno seu ressurgimento. Sempre iguais a si mesmos, sempre dignos da pátria gloriosa que os viu nascer!
Embalados por um lindo e acariciante sonho de ascensão económica, os nossos emigrantes dirigem-se para o ultramar e instalam-se algures, aferrando-se à terra adoptiva, não obstante a sua bravia agressividade e os imensos e intérminos obstáculos a vencer, e - talvez por isso mesmo - não tardam em amá-la apaixonadamente!
Poderão escassear os alimentos a que estavam habituados, faltar a água límpida e sã e uma habitação europeia, ser precária a defesa contra as inclemências climáticas e difícil a luta contra as enfermidades exóticas e outros males do corpo e da alma; os colonos haverão de sustentar-se com o intragável pirão dos nativos, de beber água repelente e veiculadora, quantas vezes, de agentes mórbidos, de abrigar-se numa palhota desconfortável e inçada de irritantes e nojentos insectos, de suportar os calores sufocantes ou os enregeladores cacimbos, de sofrer depauperantes febres palustres, perigosas moléstias e quem sabe até se a letal doença do sono... Porém, com a alma forte dos grandes heróis, os magníficos obreiros da colonização portuguesa não desertam do seu posto de combate sem tréguas, não recuam um passo no caminho que resolveram trilhar, não esmorecem em querer, na esperança ilimitada de triunfar!
Que contraste, Sr. Presidente, entre as comodidades fáceis de Lisboa e a vida dura e mortificante do mato - tão angustiantemente silencioso como terrificantemente animado pela fauna selvática e adversa!
Porque tenho convivido com os excelentes portugueses de Angola e já sofri, embora acidentalmente e em grau infinitamente menor, algumas das agruras que amiúde e demoradamente os fustigam, eu sinto bem os seus problemas, lhes rendo sinceras e efusivas homenagens. Exactamente porque aprecio as notáveis qualidades dos colonos angolanos - patriotas in defectíveis - me repugna pensar na eventualidade de eles se tornarem contrabandistas do café ou de outros quaisquer produtos!

O Sr. Carlos Mantero: - Não autorizo V. Ex.ª a deturpar o que eu disse, sobretudo quando se refere aos colonos portugueses. Eu não pronunciei tal palavra.

O Sr. Presidente: - Qual é essa palavra?

O Sr. Carlos Mantero: - É o termo «contrabandista».
Não posso permitir sem o meu veemente protesto que o Sr. Deputado esteja constantemente a fazer referências impertinentes e comentários inconsequentes ao meu recente discurso, referências e comentários que nada adiantam para o esclarecimento dos problemas em debate.

O Orador: - Que o Sr. Deputado Carlos Mantero não simpatize com o meu discurso é naturalíssimo, dado que as nossas maneiras de encarar o problema são algo diferentes; porém S. Ex.ª não pode fingir que desconhece o Regimento da Assembleia Nacional, que lhe veda protestar contra referências correctas que, no uso dum legítimo direito, qualquer Deputado faça às considerações insertas no Diário das Sessões.
Quanto aos comentários que tenho feito e continuarei a fazer, ao invés do que o Sr. Deputado parece crer, ajudam bastante a iluminar os assuntos em discussão.
Na p. 637 do Diário das Sessões n.º 147, de 3 de Abril corrente, contém-se o seguinte trecho do discurso proferido pelo Sr. Carlos Mantero:

Não ocorreu a ninguém que os cafés de certas regiões de Angola, sobretudo onde prepondera a colheita indígena,...