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828 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 167

que receberam com a interdição total das exportações, enquanto ainda não tinham recebido a regulamentação, através da fixação de contingentes, do despacho do Conselho de Ministros de 14 de Março, foram postas perante o Decreto-Lei n.º 38:704, que mais veio ainda avolumar a perturbação existente nos espíritos.
O Decreto-Lei n.º 38:659, que poderia denotar uma situação difícil para o País, foi recebido por isso, e pelas drásticas restrições que fazia, com verdadeira angústia, felizmente aliviada pelas regras provisórias dadas pelo despacho do Conselho de Ministros.
O Decreto-Lei n.º 38:704 deixou, sem dúvida, em todos um fundo de perturbação e de ansiedade, que V. Ex.ª, Sr. Presidente, bem pode compreender; mas, apesar de tudo isto, eu posso hoje, como Deputado por Moçambique, ter o infinito orgulho de afirmar nesta Assembleia Nacional a elevação, o patriotismo e a dignidade inexcedíveis com que a província reagiu, acompanhando em cada passo o seu governador, representante do Governo da Nação.
Quem vive do comércio e da produção sabia perfeitamente que os dois decretos poderiam asfixiar dramaticamente a actividade produtora de Moçambique, mas tenho a certeza de que todos confiavam - e confiam - em que o Governo da Nação e, sem desprimor para ninguém, o Sr. Presidente do Conselho, por quem todos os que trabalham no ultramar têm uma tão carinhosa admiração e dedicação, não deixariam de ouvir as actividades atingidas e com a melhor boa vontade haveriam de procurar remediar situações instáveis, injustas ou que lhes merecessem justa atenção.
A reacção de Moçambique foi uma reacção de colaboração sincera e, tal como é seu hábito e costume, ditada sempre com aquela sinceridade que é também seu apanágio. Eu faltaria à verdade se não dissesse a V. Ex.ª que a opinião pública de Moçambique está alarmada, mas convencido também estou de que essa mesma opinião pública sente dentro de si mesma a certeza de que o Governo não lhe irá impor medidas que a conduzam à ruína, tolham a iniciativa (privada ou afastem os capitais tão necessários ao seu desenvolvimento, mas tão-somente aquelas que o interesse nacional imponha. Volto a afirmar que se confia inteiramente no bom senso, na dignidade e até num desejo sincero de longa colaboração do Governo para com as actividades atingidas.
Exactamente porque assim penso, eu não quero, nem devo, discutir o princípio em que se informa esse decreto, mas, no caso concreto das nossas províncias ultramarinas, que são territórios em formação, tenho sérias dúvidas sobre a sua utilidade e justificados receios de que possa acarretar um fenómeno psicológico de retracção de capitais, precisamente onde eles são ainda largamente necessários e onde se deve apoiar a livre iniciativa particular, factor poderoso na atracção desse capital e no seu desenvolvimento produtivo.
Ouço muitas vezes falar na existência de uma grande prosperidade em Moçambique, mas todos os que ali vivem sabem perfeitamente que isto não é, infelizmente, verdade, nem ninguém que lá vá poderá divisar os sinais dessa grande prosperidade.
Vive-se, é certo, uma época de trabalho e preparamo-nos, o melhor que é possível, para evitar as consequências de uma crise que se sente aproximar e que já faz sentir os seus efeitos no ambiente comercial. Ora é olhando o decreto, não nos princípios que encerra, mas na sua aplicação prática, que eu justificadamente temo que, por um lado, se possa presenciar um retraimento da actividade empreendedora que presentemente se desenvolve e, por outro lado, seja criada ao comércio, designadamente ao comércio exportador, uma situação de inactividade que mais venha avolumar as dificuldades a que neste momento ele já tem de fazer face.
O Decreto-Lei n.º 38:704 não pode deixar de merecer alguns reparos, informados pelas realidades económicas existentes no ultramar. Na verdade, não se pode aceitar que haja uma sobrevalorização dos produtos, entendida esta sobrevalorização como sinónimo de excesso de lucro, apoiando-nos para tanto nas cotações de 1949, pois, dado o aumento do custo da produção de então para cá, essas cotações não significam, nem podem significar, a expressão de um lucro líquido representativo de uma justa e legítima remuneração aos capitais investidos.
A criação de uma taxa de 20 por cento a incidir sobre 70 por cento do que em bases seguras fosse determinado como sendo a real sobrevalorização poder-se-ia aceitar, considerando que, estabelecida nessa base mais equitativa, não acarretaria forte dano à produção e se destinaria a fins que se mostram de manifesta utilidade geral. No entanto, todos receiam que para uma futura aplicação dos rendimentos dessa taxa se venha a criar uma máquina burocrática que absorva grande parte da receita, de que, aliás, temos já vários e infelizes exemplos. Se à taxa de 20 por cento, incidindo sobre tais bases, eu não seria abertamente contrário, o mesmo já não sucede para a retenção de 50 por cento dos 70 por cento do valor da sobrevalorização, pois, estando a sua futura utilização dependente de autorização superior, tolher-se-á desmedidamente a livre iniciativa particular, que se tem mostrado largamente competente e da qual só temos a esperar aquela força activa indispensável ao desenvolvimento da província, além de criar uma tutela que os esforços até agora produzidos não justificam e com a qual - e eu entendo que muito justificadamente - as actividades económicas se sentem ofendidas e diminuídas. Os colonos que habitam em Moçambique, numa vida de luta dura, que só quem conhece o mato pode avaliar, e que nas suas actividades têm empregado os seus capitais e até a sua vida, sentem como que uma falta de confiança do Governo neles próprios. O Sr. Subsecretário do Ultramar, que ali viveu, como eu próprio, a vida dura do mato, o isolamento e até a solidão e a falta de conforto, pode avaliar como ninguém a verdade disto que eu afirmo.
Afora estas considerações muito gerais que me permito fazer sobre o Decreto-Lei n.º 38:704, outros pormenores poderia destacar para salientar que a sua técnica não se pode coadunar com as realidades comerciais e com as possibilidades financeiras dos produtores. Basta notar que o sistema preconizado de fazer o cálculo da sobrevalorização sobre as cotações mundiais no momento em que se exporta pode acarretar uma manifesta injustiça se o valor dessas cotações for superior ao preço por que os exportadores efectivamente exportam.
Independentemente da apreciação que o Decreto-Lei n.º 38:704 em si mesmo mos oferece, acresce que a sua aplicação conjunta com o Decreto-Lei n.º 38:659 relativamente aos produtos neles visados torna completamente impossível a vida dos produtores, que não poderiam suportar o peso das retenções impostas nesses dois diplomas.
Certamente - estou convencido, estou mesmo certo - que o Governo tem o maior interesse em desenvolver e apoiar toda a actividade privada, ao contrário do que os recentes decretos podem fazer supor no ultramar, assim como certo estou também - e o telegrama de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho dirigido aos organismos económicos é indicativo - de que o Governo há-de olhar com justiça, prudência e compreensão para este importante problema e não deixará de ouvir com o maior