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22 DE ABRIL DE 1952 833

O decreto-lei, a meu ver, só tem um defeito: o de ter vindo já um pouco tarde. Mas não pode deixar de considerar-se, apesar disso, como oportuno.
As reacções políticas, económicas e financeiras que possa de inicio provocar são perfeitamente naturais, sob o ponto de vista humano.
Ninguém gosta que se lhe cerceie- a liberdade dos seus movimentos ou a livre utilização dos seus recursos.
Este sentimento individualista é natural. Hás o Estado tem o direito e o dever de coordenar, impulsionar e dirigir todas as actividades sociais, fazendo prevalecer uma justa harmonia de interesses, dentro da legítima subordinação dos particulares ao geral (Constituição, artigo 6.º, n.º 2.º).
O liberalismo económico, que a propósito deste decreto-lei tenho visto aqui defender com tanto entusiasmo, até por aqueles que na discussão do condicionalismo industrial metropolitano com igual entusiasmo o atacaram, morreu; é um cadáver. Só há que enterrá-lo.
E não caminharemos para um socialismo de estado, agressivo e absorvente, actuando como uma bomba aspiradora nas economias privadas, mas seguiremos a via cristã do social, em obediência ao preceito evangélico de que as migalhas da mesa dos ricos saciam a fome das gentes que não têm nada e esperam o dia de partilhar o seu quinhão de bens no ultramar.
Em resumo, e para concluir:
O problema, considerado objectivamente, é este.
As condições dos mercados internacionais valorizaram extraordinariamente certos produtos ultramarinos.
Estas condições não serão permanentes.
A época das «vacas gordas», a que se referiu o ilustre Deputado Sr. Botelho Moniz, cedo ou tarde acabará.
Seguir-se-á a época das a vacas magras», das crises aflitivas, como tantas vezes tem acontecido no ultramar; as dificuldades surgirão com ela; e se nada ou muito pouco se tiver feito, como resolvê-las? Feia tão decantada iniciativa particular?

O Sr. Carlos Moreira : - Decantada? V. Ex.ª ignora a notável obra dos colonos portugueses em África.

O Orador: - Sou o primeiro a reconhecê-la - é uma autêntica epopeia; mas é necessário que a lição do passado nos aproveite.
E a lição das crises passadas diz-nos que ela, só por si, tem sido impotente para as debelar.
É prevendo esse período e preparando-nos, armando-nos, que se poderá lutar contra ela, num esforço conjunto dos particulares com o Estado.
Para isso juntam-se os recursos, canalizam-se os esforços, do Estado e dos particulares, numa obra de fomento e povoamento, que a todos se impõe. Não será isto justo? Será este o crime do decreto-lei?
Os princípios estão postos nele. Julgo que estão certos, sendo apenas necessário fazer a sua regulamentação ao passar da teoria para a prática ou execução.
Por isso voto pela ratificação do decreto-lei, na convicção de que cumpro rigorosamente um dever de patriotismo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sousa Pinto: - Sr. Presidente: tenho seguido este debate com a atenção que o assunto merece e tenho tomado conhecimento das repercussões que no ambiente ultramarino causou a publicação do Decreto-Lei n.º 38:704.
Sem esquecer o dever que nesta Casa me cabe de defender os interesses legítimos da laboriosa população de Moçambique, direi que se me afigura exagerado o alarme com que, nalguns sectores, o decreto foi recebido.
Começando por encarar o problema no campo dos princípios (depois iremos ao modo como eles poderão ser aplicados), julgo que, se se verifica que há alguns géneros da nossa produção ultramarina que, por um conjunto anormal de circunstâncias alheias ao esforço do produtor e do exportador ou que a esse esforço se sobrepõem, estão temporariamente produzindo lucros muito superiores aos que, já com largueza de vistas, se podem considerar razoáveis, é de aceitar que o Governo procure conseguir que os sectores na emergência menos favorecidos, ou, melhor, a comunidade, compartilhem dessa aragem, talvez bem curta, da anormal prosperidade de alguns.
Poderia realizar-se esse objectivo por forma diferente da estabelecida no decreto. A minha inclinação e simpatia iriam de preferencia para um regime de imposto progressivo, cujas taxas, começando em zero para os pequenos rendimentos, atingissem pesados valores para os lucros anormais. O produto definitivamente arrecadado desse imposto daria ao Governo os meios de realizar os objectivos que teve em vista com a criação dos fundos instituídos no decreto em discussão. Entre vejo, porém, as dificuldades de tal sistema, pelo que haveria de irritante no exame minucioso das escritas e de oneroso na criação de um corpo de contabilistas competentes e responsáveis, que dificilmente se encontrariam em número e qualidade suficientes para o rápido e cuidadoso desempenho de tão delicada tarefa.
Outro caminho entendeu o Governo seguir ao elaborar o decreto que estamos a apreciar. Admitindo, por enquanto ainda no campo dos princípios, que a determinação da sobrevalorização, quando ela exista, será feita com escrupuloso desejo de acertar, não me parece que as disposições do decreto sejam assustadoras. Só está em causa a sobrevalorização e dela ficam inicialmente livres 25 por cento. Dos restantes 75 por cento (fixemo-nos no caso do exportador-produtor) ficam ainda livres 30 por cento, ou seja 22,5 por cento da sobrevalorização.
Acabadas as contas, verifica-se, em resumo, o seguinte: perto de- metade da sobrevalorização (47,5 por cento) fica logo livre nas mãos do exportador. Mais 37,5 por cento ficam ainda propriedade sua, podendo requerer autorização para os aplicar no alargamento e aperfeiçoamento das próprias instalações ou propriedades agrícolas, comerciais ou industriais ou em outros empreendimentos de utilidade para a economia geral, se não preferir receber os títulos a que se refere a alínea b) do artigo 7.º do decreto. Só os restantes 15 por cento da sobrevalorização ficam destinados ao Fundo de Fomento e Povoamento, o que não me parece deva ser considerado alarmante.
Eu creio, Sr. Presidente, que no campo dos princípios não repugna aceitar tais disposições.
Deixemos agora os princípios e passemos a considerar algumas das objecções que, no aspecto prático, têm sido apresentadas.
A primeira preocupação, que julgo fundamentada, está no receio de erradas determinações da sobrevalorização. Penso que seria conveniente, para tranquilidade dos interessados, que no artigo 3.º ficasse mais claramente expresso que a determinação da sobrevalorização terá sempre em vista a variação do custo da produção.
Pelo que diz respeito, por exemplo, à mão-de-obra, posso afirmar, por conhecimento directo, que, ao contrário do que já aqui ouvi dizer, o seu custo, pelo menos em Moçambique, tem vindo sempre aumentando. Dispenso-me, por amor da brevidade, de indicar números.
Outro ponto. E duro - diz-se - para os que têm feito bom uso dos seus lucros, empregando boa parte deles