24 DE JULHO DE 1984
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questões, uma a uma, e em primeiro lugar para as questões de competência.
Creio que aqui é possível assacar a esta proposta, tanto como à do Governo —em grau específico podemos discutir—, a imputação de fluidez conceptual. O Sr. Deputado considera preferível a redacção que tem à redacção originária, mas, no entanto, seria necessário que especificasse com rigor as noções que utiliza, designadamente a noção de segurança externa do Estado Português.
O artigo 273.°, n.° 2, da Constituição diz, por exemplo, que «a defesa nacional tem por objectivo garantir, no respeito das instituições democráticas, a independência nacional» — e isto é uma noção que na lógica e na interpretação da Constituição tem um significado —, «a integridade do território» — nenhuma dúvida quanto a isto— «e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaças externas».
Bom, o debate travado sobre esta matéria permite apurar o que ficou excluído, o que se quis excluir deliberadamente e o que me perguntava é se não há o risco de introdução de algo cuja discussão tinha sido encerrada através da noção que acaba de empregar neste texto e que, como o debate na generalidade prova, é susceptível de interpretações ambiguizantes.
Ouvimos da boca do Sr. Ministro da Defesa Nacional uma interpretação que, longe de se circunscrever à noção que flui da Constituição neste ponto, a faz alargar em termos tão, tão, tão amplos que chegou a ouvir-se da boca de um deputado do PS uma afirmação clara de recusa de uma noção tão lata e tão amplificadora.
Portanto, este é um primeiro aspecto que nos parece fundamental.
A delimitação conceptual que o Sr. Deputado pratique aqui não pode ser outra se não aquela que se atenha aos limites constitucionalmente estabelecidos. Bem me parece que há um risco de interpretações amplificantes de uma noção de segurança externa que bem importaria que ficasse aqui menos indelimitada do que me parece que está na formulação, com a interpretação que foi dada.
O segundo aspecto é o da questão do posicionamento e da dependência hierárquica. Realmente temos ouvido com muita atenção o que se disse sobre a questão da necessidade de não vulnerabilizar o Primeiro-Ministro, não vulnerabilizar o Ministro da Defesa Nacional, não vulnerabilizar o Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Creio que a única preocupação que pode presidir a isto é a de não vulnerabilizar o Estado Português, não vulnerabilizar as nossas relações com os países amigos e até com os outros com que temos relações mais difíceis, não vulnerabilizar a defesa dos direitos dos nossos cidadãos e a sua protecção contra qualquer agressão ou ameaça externas.
Portanto, creio que a questão do posicionamento não devia ser vista em termos de vulnerabilização da figura do Primeiro-Ministro.
Quanto à vulnerabilidade do Primeiro-Ministro, em Portugal, ele é um homem vulnerável, face ao estatuto que a Constituição lhe atribui. O Primeiro-Ministro é vulnerável porque constitucionalmente tem funções pesadíssimas de coordenação, de representação do Governo em todas as dimensões.
E mais ainda: a Constituição é neste ponto de tal forma aberta que não hesita em permitir que a lei torne mais vulnerável este homem vulnerável que é o Primeiro-Ministro, ao dizer no artigo 204.° n.° 1, alínea d) que compete ao Primeiro-Ministro «exercer as demais funções» —todas— «que lhe sejam atribuídas pela Constituição e pela lei». Ao contrário do que sucede com outros titulares de órgãos de soberania ou de cargos
•políticos, o titular deste cargo político é livremente sobrecarrega vel!
Portanto, creio que a questão não deve ser discutida desta forma. Parece-me que é falso véu, que é uma forma de não discutirmos as coisas tal qual elas se colocam, nuamente, colocarmos as coisas em termos de vulnerabilizar o Sr. Primeiro-Ministro ou não.
A questão é que a proposta que nos é apresentada pelo PSD não tem lógica, não tem nenhuma lógica a não ser potenciar a acção do Ministro da Defesa Nacional num domínio que é perigoso porque tende a fazer com a sua acção — como aqui foi sublinhado — extravase aquilo que é o âmbito próprio do Ministério da Defesa Nacional, venha a poder ser tributária de uma noção lata de defesa nacional, que é expressamente excluída pela Constituição, e venha a colocar o aparelho do Ministério da Defesa Nacional —que é inapto para isso — ao serviço de finalidades que, por exemplo, estão a cargo do Ministério da Economia (em certas faixas da representação do Estado para efeitos económicos e financeiros), do próprio Primeiro-Ministro (enquanto coordenador e responsável governamental pela acção do Estado Português) e de outros departamentos, de outras estruturas, a começar pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, como já foi referido.
Portanto, a proposta tal qual é apresentada não tem qualquer lógica, a não ser — como já aqui foi abordado francamente— a de potenciar a acção do Ministro da Defesa Nacional. Só que isso tem o inconveniente gravíssimo de a potenciar para fora dos limites legais e constitucionais, o que é inaceitável!
Era importante que estes aspectos ficassem clarificados para que se depreenda ao menos qual é o fio condutor das propostas apresentadas.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado José Magalhães, respondo-lhe muito simplesmente. O ponto 2 da proposta não é da autoria do PSD, é do Governo, com o devido respeito. É uma proposta do Governo!
O Sr. José Magalhães (PCP): — Que se sentem 2 pecadores no banco dos réus, é-me igual!
O Sr. Presidente: — Juntar o PSD ao Governo, enfim! Bom, mas não sei se é um problema de pecado.
Como disse há pouco, tenho algumas dúvidas e formulei-as em voz alta.
O problema é: se se conseguir garantir que no futuro o Serviço de Informações Estratégicas não descambe num serviço realmente centralizador e coordenador do sistema, é preferível a solução do Primeiro-Ministro. Não tenho dúvidas nenhumas disso e, portanto, para mim, essa é a vantagem.
Só que, como o sistema é incipiente em Portugal, não temos tradição neste domínio, nunca tivemos — ou talvez tenhamos tido apenas um pouco na I República e mal—, tenho um receio enorme de que isso descambe nessa versão, o que, do meu ponto de vista, é perigoso. Se conseguirmos evitar isso, não tenho o menor pejo, a menor dificuldade em aprovar essa questão.
Em relação ao primeiro ponto, o problema da fluidez conceptual da componente não militar da defesa nacional, ou o problema da segurança externa, é exactamente a mesma fluidez conceptual que está expressa no texto da.Constituição que o Sr. Deputado acabou de ler. É exactamente a mesma, sem tirar nem pôr! São as mesmas palavras, ou seja, são os mesmos conceitos.
Julgo que está expresso na Constituição o problema da segurança perante agressões externas, está explícito com a mesma palavra, com o mesmo conceito.
Voz inaudível na gravação.