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II SÉRIE - NÚMERO 154

possíveis — e, finalmente, a delimitação exacta da parte do ficheiro à qual os cidadãos têm acesso quando se trata de serviços sensíveis, como é o caso dos serviços policiais e destes serviços de segurança.

Ora, em relação a essa parte, os cidadãos têm de ver assegurado, nos termos do n.° 1 do artigo 35.° da Constituição, o direito de acesso no sentido de conhecerem as informações que há sobre eles próprios, o direito de verificar se, sim ou não, elas obedecem aos limites legais, se, obedecendo a esses limites, são verdadeiras — isto é, conformes à realidade — e, no caso de não serem legais ou conformes à verdade, assiste-lhes o direito de as mandar destruir e de as ver corrigidas para ficarem conformes à verdade.

Este é um direito que os cidadãos têm de ter e em relação ao qual, mesmo no caso de recusa, terá de haver justificação por parte da Administração e dessa justificação deve caber recuso, nos termos gerais. Isto é o mínimo dos mínimos e é o que decorre do artigo 35.° da Constituição da República!

Ora bem, nada disso se encontra aqui estabelecido!

O que se encontra consagrado ê que, se, por acaso, no decurso de um processo jurisdicional ou administrativo, se revelar — isto é, se o cidadão descobrir, se tiver a sorte de descobrir, se tiver alguém que o informe da matéria ou se for particularmente lúcido e informado, etc. — erro ou insuficiência de dados ou informações ou — e repare-se no que isto representa de monstruoso! — a irregularidade da sua escolha, então, nesse caso, o cidadão dará conhecimento à entidade fiscalizadora, tal-qual os Srs. Deputados a imaginam. Mas isto, repito, se, por acaso, tiver topado o erro, a insuficiência ou a irregularidade.

Agora estão a ver, munidos destes preciosos instrumentos, como é que o cidadão há-de «caçar» o irregular! O cidadão nem sabe da existência do ficheiro ou do conteúdo da informação, quanto mais da irregularidade da sua escolha!

Portanto, isto é gozar com o cidadão, é dizer ao amordaçado: farás eloquentes orações, no preciso momento em que tens a língua cortada!

Acho que é ir longe de mais na prática política que não qualifico e que está subjacente a isto!

Mas o que é que sucede se, por «milagre» ou por «revelação espiritual», o cidadão tiver verificado que houve erro, insuficiência ou irregularidade? Nesse caso comunica à comissão fiscalizadora, a qual tomará providências nos termos do n.° 3, isto è, ordenará o cancelamento e a rectificação dos dados colhidos com violação do disposto nos artigos 16.° e 17.°e, acima de tudo, com violação do que se encontra consagrado no artigo 35.° da Constituição.

Depois, e pior ainda, o cidadão que por acto ou no decurso de processo judicial ou administrativo tiver conhecimento de dados que lhe respeitem e que considere erróneos, defeituosos ou irregularmente obtidos, também pode requerer ao tribunal criminal em cuja comarca estiver pendente o processo que proceda às verificações necessárias e ordene o cancelamento ou rectificação dos que se mostrarem incompletos ou erróneos. É o que se chama o «tiro no escuro»!

Vou ao juiz e digo: «Ó Sr. Dr. Juiz, eu acho que aquele dado, do qual não sei como tive conhecimento, mas, talvez por revelação, passou-me pela mente a suspeição de que o que consta a meu respeito no ficheiro

dos serviços de informações de segurança é: deputado José Magalhães, morador na Rua de Domingos Sequeira, 24. Passa-me pela cabeça que não é 24, e corrijo porque tive esta 'anunciação'»!

Doutra forma não sei como o fará, pois não posso dirigir-me ao serviço de informações perguntando se pelo menos têm a minha morada completa! Nem isso posso fazer!

Portanto, não se dá sequer ao cidadão a possibilidade de saber o que lá está sobre ele. E os senhores acham muito bem, acham normal . . .

O Sr. Jorge Lemos (PCP): — É que vai contra a Constituição, Srs. Deputados!

O Orador: — Acham tudo normal, é uma tal frigidez constitucional que acham tudo normal!

E este, segundo creio, é um domínio em que certos defensores da proposta governamental têm utilizado um tom que me parece excessivamente leviano para discutir questões que são demasiado sensíveis, ainda que tenham vontade de as discutir seriamente, e acredito que sim!

A questão é esta, senhores deputados: ninguém em parte alguma tem vindo a sustentar que os ficheiros policiais devam ser na sua integralidade do domínio geral dos cidadãos. Portanto, por favor não me venham utilizar o argumento, aliás tolo, que está no preâmbulo da proposta, de que permitir o acesso dos cidadãos ê permitir ao criminoso todos os dias chegar ao pé do inspector da Polícia Judiciária e dizer: «Então boa noite, senhor inspector. O que é que meteu no dossier esta noite sobre mim?» E assim poderia preparar mais eficazmente a sua actividade delitual do dia seguinte. Isto é uma caricatura totalmente ridícula!

Toda a experiência de elaboração internacional nesta matéria tem vindo a apontar para que nem tudo o que está nos ficheiros policiais é matéria sensível e, digamos, do foro próprio, exclusivo, inultrapassável e inviolável das policias. Pelo contrário, a tão citada Conferência de Roma, que foi trazida à colação aquando do debate da generalidade em Plenário, se teve ponto para que chamasse a atenção, foi precisamente para a necessidade de arrepiar caminho, nos países que têm um sistema de garantias com alguns anos de existência, em relação às noções proibicionistas de todo e qualquer acesso aos ficheiros policiais — aos «sagrados» ficheiros policiais!

Ouvi no Plenário e estou agora a ouvir aqui «arrepios e gritos de horror» cada vez que alguém falava no acesso dos cidadãos aos ficheiros policiais, como se se propusesse que se fosse sentar um indivíduo ao pé do «inspector António» a furtar-lhe ou a ler-lhe os dossiers. Não é isso que se propõe!

Aquilo para que apontamos é para a observância do direito que está previsto no artigo 35.° da Constituição em relação aos cidadãos e sobre os dados que lhes digam respeito, em medida compatível com as necessidades de investigação criminal, não sendo, portanto, um direito absoluto, e como tal não deve ser entendido, embora também não possa ser esvaziado do seu conteúdo essencial.

Nesse sentido, todas as restrições que sofra hão-de ser necessárias, estritamente necessárias, adequadas, e apenas estas, não outras, nunca podendo esvaziar o alcance e o conteúdo essencial do direito que está a ser objecto de restrição, nos termos do artigo 18.° da nossa Constituição.