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2 DE ABRIL DE 1986

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Por exemplo, hoje não se lêem Os Maias, de Eça de Queirós, mas a Introdução à Leitura de Os Maias; não se lê o Auto de Mofina Mendes, mas uma breve interpretação ou resumo da obra de Gil Vicente.

É certo que as fotocópias têm uma função meramente comercial. Porém, o que se está a passar nesse campo atinge o desaforo.

O que é mais grave ainda é que bibliotecas municipais e estatais tenham máquinas de fotocópias instaladas nos seus edifícios e vendam essas mesmas fotocópias. Portanto, tal significa que a indústria das fotocópias entrou dentro das bibliotecas, o que ainda vai criar maiores problemas.

Hoje dizem as pessoas que a utilização das fotocópias é a única maneira de combater o alto custo dos livros e que é a única forma de poderem resolver as suas situações, na medida em que as bibliotecas estão mal apetrechadas.

Realmente, é um facto que as bibliotecas estão mal apetrechadas. Em Portugal não há ainda qualquer biblioteca informatizada — pelo menos bibliotecas públicas, pois haverá a do Instituto Britânico ou a Biblioteca Americana. Portanto, também aí é necessário que acertemos o passo pela CEE — já não digo pelos Estados Unidos ou pela União Soviética —, sob pena de perdermos absolutamente o controle, a apetência e a entrada em grande circuito de difusão científica, literária ou cultural. Publicam-se no mundo, no mínimo, 500 000 artigos com base científica, e se não nos pusermos em tempo e horas minimamente apetrechados para apanhar essa enorme massa documental, o nosso atraso cultural, científico e intelectual cada vez vai ser maior em relação até à nossa vizinha Espanha. E por falar em Espanha, ponho aqui o problema da protecção à difusão do livro em Portugal e da protecção à edição.

Já foi aqui falado que muito se está a fazer para esquecermos depressa e bem grandes nomes da literatura portuguesa. Posso dizer-lhe que hoje estão esgotadas obras de um autor desaparecido recentemente como o Branquinho da Fonseca. O José Régio ninguém o lê, o Teixeira Gomes ninguém sabe quem é, etc, etc.

As edições espanholas hoje são notáveis no mundo, e mal eles tenham possibilidades de competir a nível dos mercados dos países de expressão portuguesa (África e Brasil) vão-se instalar em Portugal, e não sei o que é que vai acontecer às nossas editoras.

O panorama das editoras em Portugal é triste. Como sabe, o ano de 1975 foi um ano negro, visto ter sido, em termos de vendas, o pior ano nos últimos quinze. Editoras com grandes tradições culturais em Portugal estão na falência técnica (o caso da Bertrand, por exemplo), muitas, para sobreviverem, têm de editar obras ou subprodutos dos chamados escritores comerciais (como o Harold Robins) ou enveredam por um tipo de publicações que não nos honram muito ou então refugiam-se no livro escolar.

Isto conduz também ao atrofiamento da própria produção artesanal literária. Ou seja, há muita gente com obras na gaveta porque uma edição de autor tornou--se absolutamente impraticável em Portugal.

No que respeita aos circuitos de distribuição, outro aspecto que lhe queria colocar e que o Sr. Secretário de Estado não deve ignorar, hoje qualquer distribuidora leva 55% do preço de capa para distribuir os livros, e o que vejo aqui são verbas muito exíguas para a difusão da leitura, para apoio ao estudo das obras

clássicas e contemporâneas e para o apoio às edições de conhecida utilidade literária, porque 70 000 contos é muito pouco dinheiro para fazer todas estas coisas.

Neste aspecto, pedia-lhe, falando em termos de pastelaria, para ver se conseguia do Sr. Ministro das Finanças que tivéssemos verba para comprar 12 milhões de bolos de arroz.

Sr. Secretário de Estado, queria levantar-lhe um problema, porque não vejo no seu orçamento- nenhuma verba a esse respeito: a sua Secretaria de Estado vai tentar interferir nos arquivos das misericórdias? O que se passa neste campo é absolutamente calamitoso. Posso dizer-lhe que misericórdias com espólios documentais, que começam nos pergaminhos, neste momento estão em acelerada destruição.

As misericórdias dizem que os arquivos são feudo delas e sei que é muito difícil ter acesso a eles, mas, de qualquer forma, ou se ataca depressa esse problema ou vamos ficar muito mais pobres em termos.de massa documental da nossa história, da nossa cultura e da evolução científica em Portugal. Só para lhe dar um pequeno exemplo, posso dizer-lhe que no arquivo da Misericórdia de Santarém, que é muito rico e tem centenas de pergaminhos, o bolor, os vermes e os bichos atacam as obras e comem-nas gulosamente.

Também queria perguntar ao Sr. Secretário de Estado o que se pensa fazer com a verba que dispõe para o apoio à edição e para a publicação e venda de obras de reconhecido interesse cultural e científico, na medida em que, apesar de não ser a melhor pessoa para falar da prática editorial da Fundação Gulbenkian, penso que seria bom que houvesse uma política no mesmo sentido, em que se publicam obras de grande valia nos diversos domínios das artes e das ciências que depois se vendem a preços reduzidos. Além disso, os professores, os investigadores e os estudantes têm 50% ou 30% de desconto, conforme o caso.

Também não vejo nada no Orçamento do Estado relativo a incentivos à tradução de autores consagrados e de obras científicas para apetrechar os centros de investigação, as bibliotecas das universidades e os institutos politécnicos.

Por último, e como já tive ocasião de lhe dizer particularmente, não está em causa a Secretaria de Estado da Cultura, que sei que está animada da melhor boa vontade, está em causa, sim, o seu orçamento, e acho que a Sr.a Secretária de Estado terá de arranjar formas de luta para em Conselho de Ministros conseguir mais dinheiro do Ministério das Finanças. Comigo pode contar.

O Sr. Presidente: — Sr.a Secretária de Estado, é caso para dizer que tardou, mas arrecadou. Tem a palavra o Sr. Ministro da Educação e Cultura.

O Sr. Ministro da Educação e Cultura (João de Deus Pinheiro): — Antes de passar a palavra à Sr.a Secretária de Estado da Cultura queria referir que interpreto as diversas intervenções, embora parecendo muito críticas, como uma manifestação de esperança na acção que a Secretaria de Estado da Cultura poderá fazer neste domínio. E era neste espírito que pedia à Sr.a Secretária de Estado que procurasse responder às questões que os senhores deputados colocaram.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.3 Secretária de Estado da Cultura.