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21 DE FEVEREIRO DE 1992

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Penso que esta fórmula de suspensão é, além de extraordinariamente discutível em termos de um ordenamento jurídico, anómala e que, fundamentalmente, se estão a atingir dois dispositivos constitucionais, concretamente os artigos 108.' e 240.", n.° 2, da lei fundamental.

Como sabemos, o artigo 108.° da Constituição prevê, de uma forma bastante clara e desde a versão original de 1976, que na elaboração do Orçamento do Estado se tenham em consideração as obrigações decorrentes de lei ou de contrato. É de lei que aqui se trata, uma vez que uma determinada lei das finanças locais estava, inequivocamente, em vigor no momento em que foi elaborado e apresentado o Orçamento do Estado nesta Assembleia. Portanto, o Governo exime-se ao cumprimento dessa mesma lei.

Como argumento, tem sido apresentada pelo Govemo a alteração de base de incidência do imposto sobre o valor acrescentado, consequência essa que envolveria uma afectação as autarquias de um montante muito significativo, que não estava no horizonte do legislador quando adoptou a fórmula da Lei das Finanças Locais.

No entanto, o Govemo, ao propor a suspensão da aplicação da fórmula de cálculo do Fundo de Equilíbrio Financeiro, tal como o faz, põe em causa não só a permanência de um determinado regime jurídico mas, também, a previsibilidade, relativamente às próprias autarquias locais, quanto aos meios de que são dotadas em razão da aplicação do FEF.

A meu ver, se se viola de uma forma clara a Constituição quanto à suspensão no tocante ao artigo 108.°, também se viola relativamente ao 240.", n.° 2, que prevê, como se sabe, a equidade relativamente à distribuição de recursos pelas autarquias locais.

Por outro lado, põe-se também em causa, através da fórmula anómala de suspensão de um mecanismo legal, a própria natureza jurídica da Lei do Orçamento do Estado, como lei de programação financeira de âmbito anual, que, naturalmente, deve respeitar o ordenamento jurídico em vigor. É verdade que não há no nosso ordenamento jurídico, salvo as que estão previstas na Constituição, a figura das leis reforçadas. No entanto, temos de entender que, neste particular, a Lei das Finanças Locais teria de ser respeitada. Portanto, a fórmula de suspensão é, a meu ver, inconstitucional.

Acresce ainda que as autorizações legislativas constantes do artigo 48." não respeitam minimamente os requisitos apontados no artigo 168.°, n.fi 2. É uma autorização vaga que, nesse mesmo sentido, não salvaguarda minimamente aquilo que se pretende em termos da Constituição.

Perante isto, Sr. Ministro, gostaria que pudesse haver uma reacção da sua parte, relativamente a esta questão.

O Sr. Presidente: — Não sei se o Sr. Ministro deseja responder de imediato, mas, tratando-se de uma questão que poderá ser retomada pelos Srs. Deputados que ainda estão inscritos, talvez valesse a pena responder só no fim de todos os pedidos de esclarecimento...

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: — Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, também partilho da apreciação que acabou de ser feita

pelo Sr. Deputado Guilherme de Oliveira Martins, no que diz respeito às preocupações, que acabaram de ser fundamentadas, quanto à inconstitucionalidade, muito provável, da metodologia jurídica utilizada pelo Govemo quanto à suspensão da aplicação da fórmula de cálculo relativamente ao FEF. Não vou, portanto, reproduzir essa argumentação, mas dou-a como partilhável, em resultado das preocupações que já tive ocasião de exprimir em Plenário e às quais, agora, também desejo aderir.

Gostaria, para além disso, de suscitar outro tipo de preocupações.

Relativamente aos critérios do FEF, tal como foram apresentados nesta proposta de lei do Orçamento — e sem discutir já a questão, mais do que discutível, de ser este o instrumento jurídico adequado para produzir essa alteração—, o Sr. Ministro referiu que eles tiveram uma preocupação de valorizar as zonas do interior com maiores dificuldades de desenvolvimento. O princípio em si não se me afigura contestável; o que se me afigura contestável é, isso sim, a circunstância de a aplicação de novos critérios do FEF vir revelar que os métodos em curso de financiamento às autarquias são insusceptíveis de responder a problemas de financiamento fundamentais, designadamente para os municípios das grandes metrópoles e das grandes cidades.

A problemática urbana é hoje — e todos convergiremos nisso — uma problemática extremamente específica e com exigências cada vez maiores. As exigências de qualidade das populações urbanas impõem novas políticas de resposta a essa saturação urbana de que lodos somos testemunhas.

Todavia, no plano da política autárquica e com os actuais instrumentos de financiamento, não se vê como responder a esta situação. De onde resulta que uma das questões que deve merecer reparo seja, por um lado, a alteração aos critérios do FEF e, por outro, a alteração ao regime de derramas, alteração essa que — sublinho — o PS todos os anos tem vindo a suscitar e com a qual estamos, enquanto princípio, de acordo. Mas os dois factores conjugados mais deixaram em aberto o problema do financiamento autárquico às grandes metrópoles.

Sabemos que os aumentos para as grandes cidades, que em boa parte não ultrapassa os 7 %, de acordo com a correcção estabelecida, vão ser, em grande medida, absorvidos pela inflação, pela alteração das próprias taxas do IVA, com incidência nas empreitadas, a que as câmaras também têm que recorrer. Nessa medida, se o aumento do FEF, com a alteração dos critérios, em nada vai favorecer os mecanismos de financiamento às autarquias e se, futuramente, o regime de derramas vai limitar a fonte de financiamento por essa via, o que é que fica, então, de financiamento complementar, suficientemente pensado, para acorrer às dificuldades dos municípios urbanos?

A proposta de lei do Orçamento do Estado não nos dá resposta a esta questão. A resposta terá vindo no discurso de V. Ex.*, em sede de Plenário. Peço-lhe por isso, Sr. Ministro, que, se possível, aprofunde o seu pensamento sobre o assunto, na medida em que abriu uma outra porta, a porta para o financiamento autárquico, por via dos impostos próprios, no que diz respeito, designadamente, aos que têm que ver com a contribuição autárquica, que, como sabemos, têm incidência sobre os prédios urbanos e rústicos.

Se esta porta for aberta, será justamente através de uma proposta de pedido de autorização legislativa para rever o Código das Avaliações.