244-(14)
II SÉRIE-C — NÚMERO 15
Portanto, como e de que modo o Código das Avaliações vai permitir criar novas fontes de financiamento aos municípios?
No entanto, isso levanta um novo problema: se este for o mecanismo que o Governo prevê — e gostaria que pudéssemos sair daqui, hoje, esclarecidos quanto ao facto ou, pelo menos, quanto à intenção — para suscitar novas fontes de financiamento às autarquias urbanas, tal facto não deixará de implicar um novo agravamento da carga fiscal sobre os contribuintes. Teremos, então, aqui um agravamento da carga fiscal encoberto, que não está quantificado e que pode resultar do funcionamento do novo Código das Avaliações.
Seria, pois, necessário que este aspecto pudesse ser suficientemente esclarecido.
Como o Governo sabe, quanto ao PS, a metodologia para a revisão do regime das finanças locais passava pela utilização de outro tipo de dispositivos, designadamente pela possibilidade de as autarquias acederem — e têm esse direito constitucional de participação nos impostos directos—, numa percentagem, à cobrança dos impostos directos (IRS e IRC) feita na área do respectivo concelho.
Do nosso ponto de vista, essa percentagem poderia oscilar entre um mínimo de 2 % e 2,5 % e um tecto a prazo de 5 %, criando, de alguma maneira, mecanismos de flexibilidade na fonte de financiamento às autarquias, o que responderia ao tipo de problemática que acabei de referir.
Este problema está, todavia, ligado a este outro: o das transferências de novas competências da administração central para a administração local. Também aqui o que o Governo até agora nos disse não passou de uma vaga promessa. De facto, o Sr. Ministro, na sua intervenção inicial, referiu a intenção do Governo de transferir conjuntos coesos de funções da administração central para a administração local.
Sr. Ministro, não seria exigível, por razões de transparência, de coerência, de inelegibilidade, naquilo que deve ser uma reforma administrativa com pés e cabeça, que, antes de nos lançarmos a qualquer transferência em concreto, de atribuições da administração central para a local, em primeiro lugar, fizéssemos a apreciação de uma lei quadro de atribuições e competências susceptíveis de serem passadas para a área das autarquias locais? Se o fizéssemos, não estaríamos com isso a definir, à partida, quais eram as áreas de intervenção possível em lodos os domínios que deveriam ser susceptíveis de transferência da administração central para a local?
Sendo assim, não estaríamos em muito melhores condições políticas e técnicas para lançar o que o Sr. Ministro referiu, isto é, um processo de contratualização entre o Governo, a Assembleia da República e a Associação Nacional de Municípios Portugueses, de forma a envolver os próprios municípios num acordo de princípio quando essas áreas de transferência vierem a ser concretizadas?
Por outro lado, o Sr. Ministro sabe, seguramente, que uma coisa é um acto de delegação de competências que pode ter, tão-só, um fundamento administrativo e outra coisa é um acto de transferência de competências que implica disposições jurídicas da competência do Parlamento. Daí que o próprio processo de reforma neste domínio tenha de envolver muito directamente a Assembleia da República, mais uma razão, portanto, para que a Assembleia pudesse—e devesse — ser chamada a tornar uma posição à cabeça num processo de descentralização administrativa, com base na definição de uma lei quadro de atribuições e competências para as autarquias locais.
Devo dizer-lhe, Sr. Ministro, que esta é uma matéria que já está concretizada num projecto de lei apresentado pelo PS. Nesse sentido, desafio o Governo para que tome uma iniciativa semelhante, a fim de que o processo de transferência de funções a que aludiu seja feito com a clarificação suficiente, na base de dispositivos legais previamente estabelecidos quanto ao universo das atribuições e das competências em que haja vantagem de serem transferidas para as autarquias. Até porque, se assim não for feito, há um outro risco que se pode correr e que é grave, qual seja o de que haja uma tentativa de a administração central vir a transferir para as autarquias não aquelas áreas de atribuição que pela natureza de uma descentralização saudável devessem concretizar-se mas apenas aquelas áreas de encargos de que a administração central queira, por vantagem, aligeirar-se, sem que isso corresponda verdadeiramente a uma descentralização criteriosa e, portanto, a uma verdadeira reforma da Administração Pública.
Esta é uma outra área de preocupações que gostaria, sinceramente, que o Governo pudesse aprofundar.
Um outro domínio de preocupações tem a ver com o desenvolvimento regional lato sensu e os instrumentos ao nosso dispor para a sua promoção, designadamente a utilização das verbas disponíveis por parte dos fundos comunitários.
Estamos no meio de um ciclo de concretização do Plano de Desenvolvimento Regional (PDR), mas já estamos a entrar na nova fase em que teremos de encetar negociações para a concretização de um quadro comunitário de apoio tendente a um novo ciclo de utilização dos fundos comunitários.
Parece-me extremamente censurável — e digo-o por razões políticas muito reflectidas por parte do meu partido— que os objectivos do desenvolvimento regional continuem em Portugal a fazer-se à margem de uma participação democrática das regiões e que os objectivos do planeamento não possam, em Portugal, concretizar-se na base de uma participação das regiões na contra tualização desses mesmos objectivos de planeamento regional.
Parece-me ainda mais censurável que tudo isto possa ser feito quando a utilização das verbas comunitárias — ao contrário dos instrumentos clássicos do PIDDAC — não são susceptíveis de fiscalização directa por parte da Assembleia da República, quanto muito por alguma modalidade de fiscalização política, mas não com base, digamos, em competências formais de fiscalização por parte do Parlamento, ou seja, o Plano de Desenvolvimento Regional não é objecto de votação na Assembleia da República (para concretizar a minha ideia) e, nesse sentido, não há instrumentos de controlo democrático suficientemente apurados que garantam, por um lado, uma participação e, por outro, uma fiscalização adequada. Daí que também pergunte ao Governo se é ou não admissível, da sua parte, que a estratégia de concretização das regiões administrativas em Portugal possa ser estabelecida de acordo com um calendário que facilite a criação das regiões em simultâneo com as próximas eleições autárquicas.
E não se diga que esta matéria, porventura, tem menos a ver com o que estamos a discutir em matéria de Grandes Opções do Plano e de Orçamento do Estado para 1992, porque é exactamente ao nível do Plano que deve concretizar-se uma estratégia de desenvolvimento regional que, infelizmente, não vimos aí minimamente sedimentada pelas razões a que acabei de me reportar.