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II SÉRIE -C —NÚMERO 10
pos atrás, sobretudo quando ela se exercia à luz do anterior Código de Processo Penal.
Portanto, a necessidade de desbloquear a capacidade de resposta dos serviços prisionais não se Coloca porque vamos aumentar as penas, já que esse aumento vai ser compensado com o recurso as medidas alternativas, que serão em situações bastante mais vastas, mas, sobretudo, porque uma maior capacidade de resposta dos tribunais exige uma maior capacidade de intervenção.
Relativamente a esse ponto, remeto também para a intervenção que fiz em Plenário, onde esclareci a acção que está a ser desenvolvida no âmbito dos serviços prisionais, quer através da inauguração, já em 1993, de novos espaços, quer através do lançamento de pavilhões para o sistema do regime aberto, o qual irá permitir-nos, por exemplo, num ano, aumentar a capacidade de resposta para mais 1000 reclusos.
Quanto à questão da prisão preventiva, efectivamente Portugal tem uma taxa elevada de presos preventivos. No entanto, já não estou tão de acordo com o Sr. Deputado quando analisa esta situação negativamente, por comparação com os restantes países da Europa. Na verdade, a taxa de prisão preventiva, em Portugal, não difere significativamente da dos restantes países da Europa e há mesmo alguns países da Europa comunitária onde a taxa de prisão preventiva é superior à de Portugal.
A meu ver, a questão não está na taxa de prisão preventiva, dado que essas prisões devem acontecer sempre que se justifiquem. Por isso, se o número que jusüfica essas prisões é elevado, naturalmente que a sua taxa será elevada; se esse número for baixo, então a taxa de prisões preventivas também baixará. Aliás, isto já La Palice o diria. O importante é sabermos se não teremos situações em que um outro tipo de medidas de coacção, que não a prisão preventiva, possa ser adoptado. Ora, eu não conheço qualquer sistema jurídico-legal que seja tão aberto como o nosso relativamente à prisão preventiva. Como V. Ex." sabe, no nosso país a regra é sempre a da liberdade e, por isso, a prisão preventiva só deve ser decretada excepcionalmente. Portanto, do ponto de vista legal, parece-me muito difícil que se introduzam alterações susceptíveis de, por essa via, conduzir a uma menor taxa de prisão preventiva.
Creio que aqui, uma vez mais, temos de actuar — e o Centro de Estudos Judiciários lem-no feito — sobre uma formação mais profundamente virada para este sector. No entanto, estamos numa área clara, em que a independência dos tribunais, mais uma vez, dita a sua última palavra. Portanto, creio tratar-se não só de um esforço jurídi-co-cultural, que tem de ser desenvolvido, mas, mais do que isso, de um esforço juridico-cultural e polílico-cultural, pois, como V. Ex." também sabe, não é raro, em vários sectores do pensamento político em Portugal, ouvir o discurso de que é a prisão preventiva que deve ser aumentada para garantir aquilo que, aparentemente, é invocado em nome de uma afirmação de segurança quando, muitas vezes, não são as questões de segurança que estão em causa. Portanto, não se trata apenas de um problema legal — creio mesmo que o não é—, não se trata só de um problema jurisdicional —creio também que não o é só—, trata-se também de um problema cultural global e, portanto, de discurso global junto da própria sociedade portuguesa, no sentido de fazê-la compreender qual é, no fundo, o verdadeiro sentido do princípio da presunção de inocência até que haja decisão com trânsito em julgado.
Relativamente ao problema da droga, posso informar que foi aprovado, há relativamente pouco tempo, um diploma fundamental, uma verdadeira lei de combate à droga definitivamente elaborada em Portugal, que não pode deixar de ser sacada a crédito do Governo, pois trata-se de um diploma corajoso que vai introduzir modificações significativas neste sector. Aliás, ele teve, inclusivamente, o apoio do Partido Socialista e, portanto, estamos com um diploma que tem toda a possibilidade de vir a introduzir modificações importantes no domínio do combate à droga em várias das suas perspectivas, desde a prevenção até à intervenção terciária, não apenas no sentido da reinserção como também no da própria repressão.
Quanto à relação drogas/seringas/sida — V. Ex." falou na relação droga/sida, mas é óbvio que essa relação passa por esse mecanismo instrumental que é a seringa—, evidentemente que o Govemo Português e o Ministério da Justiça estão a acompanhar a discussão desta temática no seio da Europa. Como V. Ex." sabe, não há posições definidas neste sector e é evidente que aqui, como em tudo, não poderemos introduzir mecanismos que sejam de mera aparência ou de demagogia, pois trata-se de uma área extremamente sensível e melindrosa, em que jogamos com valores essenciais e onde é muito importante que tenhamos a noção exacta do modo como vamos relacionar valores que são, efectivamente, muitas vezes contraditórios. Cito-lhe, a título de exemplo — e esse é o exemplo mais referido hoje —, o problema de distribuição de seringas nas prisões. Neste aspecto, o mais importante — e suponho que V. Ex.° concorda comigo— não é colocarmos a questão em termos simplistas no sentido de saber se «seringas sim» ou «seringas não» nas prisões, pois para as questão simplistas ou se encontram respostas que não têm significado ou não se encontram respostas, porque se a questão não é simples ela não pode ser colocada em termos simplistas.
Evidentemente que, se partimos do princípio de que a legislação portuguesa pune o próprio consumo da droga
— em termos que não vale a pena desenvolver agora por-que sabemos que pune em termos não repressivos mas projectantes de uma perspectiva preventiva—, se o considera como desvalor, em princípio a própria lei não deve simultaneamente construir mecanismos e instrumentos que partem do pressuposto de que, afinal de contas, o comportamento de desvalor tem um espaço próprio para a sua realização. Isto é, digamos, o princípio geral. Mas os princípios valem também aquilo que a realidade, de alguma forma permite dar-nos como capacidade de afirmação.
A questão que tem de colocar-se é a de saber até que ponto a taxa de seropositivos e de sidosos no interior dos estabelecimentos prisionais tem directamente a ver com o problema do consumo de droga no interior dos estabelecimentos prisionais e, portanto, saber até que ponto os próprios estabelecimentos prisionais são potenciadores ou têm, de alguma forma, entre o consumo da droga e a sida uma relação de causa/eleito. Este estudo já foi feito algumas vezes — aliás, ele tem de ser feito várias vezes, como é óbvio, pois não se faz um estudo e nára-se — e, neste momento, temos a noção de que, ao contrário do que acontece, por exemplo, com a hepatite B, cujo crescimento é notório no interior das prisões, o que levou a que uma série de medidas estejam a ser adoptadas nesse domínio, tal não está a acontecer com a sida. Portanto, neste momento
— e gostava que ficasse claro que estou a referir «neste momento» e tendo em conta o conjunto de dados de que dispomos —, não se jusüfica a distribuição de seringas ape-