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II SÉRIE-c — NÚMERO 5

constitucional, este pressupõe revisão constitucional se nós lá chegarmos e se quisermos lá chegar.

O que aconteceu foi mais um exemplo típico daquilo que no fundo tem sido também recorrente nesta nossa discussão. Esse conselho superior de justiça propunha um órgão informal de coordenação de acções que teve o apoio claro da então bastonária da Ordem dos Advogados, da justiça administrativa e fiscal, alguma reserva do Sr. Procurador Geral da República que todavia não negava a possibilidade de ele vir a ser constituído e a oposição dos sindicatos e do Conselho Superior da Magistratura.

Uma vez que se tratava de um órgão que teria de ter uma base informal, embora fosse criado por despacho ou até mesmo por um decreto, de qualquer maneira assentava muito no que era (aí, sim) uma consensualidade total para que pudesse funcionar como órgão de coordenação, desistiu-se de caminhar por aí uma vez que havia oposição de elementos que eram essenciais quanto à sua composição e à sua participação nesse conselho.

Este conselho superior de justiça será porventura uma proposta apresentada em fase de preparação de uma possível revisão da Constituição. Srs. Deputados, devo dizer-vos que quando estas questões são discutidas em termos de independência dos tribunais eu navego numa total tranquilidade e só não digo que não recebo lições de ninguém porque recebo lições de toda a gente sobre tudo. Mas, se quisesse usar essa frase, este era um ponto onde eu dizia que não recebo lições de ninguém, com essa ressalva de que recebo sempre lições de toda a gente.

Creio mesmo, com toda a franqueza, que discutir este assunto em Portugal do ponto de vista de ser ou não ser, de querer ou não querer, é uma discussão espúria, pois não passa pela cabeça de ninguém pôr em causa a independência dos tribunais, não faz nenhum sentido que isso aconteça.

Portanto, esta é uma discussão espúria que retira à independência muito daquilo que ela tem e que é também o lado instrumental para que os tribunais funcionem efectivamente ao serviço dos cidadãos e dos seus direitos, liberdades e garantias. E pode eventualmente inquinar-se essa discussão a ponto de se tomar a independência como que um direito próprio dos tribunais quase como que alguma coisa objecto de uma propriedade intrínseca dos tribunais o que seria profundamente errado. E sei que esta

preocupação é tanto minha como do Grupo Parlamentar do PSD, como é de certeza do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, dado que no fundo estamos a discutir a essência do que é, passe a redundância, essencial num Estado de direito e numa democracia. E a independência dos tribunais constitui uma pedra angular mas não é a essência, é um instrumento essencial para se chegar à essência e, portanto, é inimaginável pô-lo em causa. Mas não se esgota aí porque o Estado de direito não existe para a independência dos tribunais mas é a independência dos tribunais que existe para o Estado de direito e para a garantia desse Estado de direito.

E há um aspecto hoje que é estrutural e estruturante do funcionamento da justiça e que aqui foi trazido várias vezes, ou seja, a garantia de que a eficiência do sistema de justiça tem hoje de constituir um valor. E não vale a pena tentar inquinar esta afirmação dizendo que se trata de uma perspectiva tecnocrática pois não é verdade. É que, se assim fosse, quando a oposição critica o Governo por ainda não ter respondido às exigências de celeridade da justiça está a colocar-se também numa postura tecnocrática da justiça e da concepção tecnocrática sobre justiça.

Nós sabemos todos hoje que a eficácia e a eficiência são claramente valores das democracias modernas e eu próprio tenho defendido que devem ser valores a incorporar na própria concepção do direito e na própria dogmática do direito. Até que ponto é que podemos dizer, como depois da guerra se dizia, que um direito injusto não é direito, que um direito ineficaz não é direito na medida em que ele também tem a face instrumental para a realização e satisfação de interesses legítimos dos cidadãos.

Ora, se quisermos fazer predominar — e eu quero — a estrutura do sistema institucional que construimos, e em cuja colaboração também participei activamente, seja no domínio da autonomia do Ministério Público, seja no domínio do autogoverno das magistraturas — e não nego aí a minha perspectiva institucional e de consagração institucional —, creio que o sistema não só se não completou totalmente como nunca mais se abriu, como sistema novo que é, àquilo que resulta das pontuais mutações de um sistema novo em concretização e, portanto, em aperfeiçoamento.

E o que vejo hoje e que, com toda a franqueza, me preocupa é um tabu absoluto sobre esta matéria. Ninguém aceita discutir estas matérias, sempre em nome da independência dos tribunais. Isto é para mim profundamente demagógico e profundamente errado em termos de consolidação do Estado de direito e de resposta das instituições aos interesses legítimos dos cidadãos. E aí, embora sabendo que é excessivo dizer isto, do ponto de vista da tutela da independência dos tribunais não empenho apenas a minha opção mas também a minha honra, porque essas são matérias que relevam também da essência da personalidade de cada um de nós e eu, nessa matéria, repito, empenho a minha honra.

Agora, no que não empenho a minha honra é numa série de clichés sobre a independência dos tribunais, que fazem com que, muitas vezes, o sistema não funcione e não responda aos interesses fundamentais dos cidadãos. Hoje, há situações de entropia do sistema, exactamente porque se não pretende aperfeiçoá-lo, nem abri-lo a uma concepção que entendo mais alargada na co-responsa-bilização do funcionamento da justiça.

Quando, a propósito do conselho superior de justiça, disse que esse concelho seria ou poderia ser um verdadeiro conselho de Estado para a justiça, evidentemente que não estava já a perspectivar o modo como ele será constituído na sua totalidade, porque entendo que esta é uma

questão que só será resolvida através de uma revisão constitucional, tendo, portanto, de passar por um debate criativo, construtivo e de consenso, nomeadamente com o PS.

Portanto, não faz sentido que o Ministro da Justiça apareça com um projecto acabado e definitivo, dizendo «é isto», mas, sim, abrir um espaço de reflexão que passe por uma concepção que, no fundo, não venha tornar as magistraturas dependentes umas das outras, como já se pretendeu dizer, porque é evidente que concebo um conselho superior de justiça com secções próprias para cada um dos sectores de intervenção e essas secções não ficarão com certeza muito afastadas daquilo que são hoje cada um dos conselhos superiores, não se tratando, portanto, de criar aí situações de subordinação.

Do mesmo modo, quando falo da permeabilizaçâo de carreiras, não estou a falar da anulação da autonomia das magistraturas, uma em face da outra, porque essa autonomia é uma coisa e a permeabilizaçâo de carreiras é outra e todos conhecemos, nomeadamente, o sistema francês — que é aqui o mais conhecido — que, desde logo, serve aqui como contraponto para demonstrar que não é isso que se pretende fazer.