27 DE NOVEMBRO DE 1993
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O que está aqui em jogo é uma exigência de coordenação e de responsabilização e uma exigência de descorporativização — no sentido negativo do termo — dos conselhos superiores, que desde sempre tenho assumido
Entendo que temos de ser capazes de assumir — e de assumir com as dificuldades políticas que daí podem resultar em situação conjuntural — que o conselho superior tem de ser um conselho de Estado, representativo do Estado e com uma legitimação de Estado, e não com uma legitimação vertical e corporativa que só é democrática no nome e não na essência. Sabemos que todos os regimes totalitários têm corpos que se auto-elegem e que daí não resulta qualquer democraticidade do próprio regime.
Estas são áreas que, creio, têm de estar abertas à discussão e que não inquinam em nada as opções que sempre tive nesta matéria, que são justificadas pelo facto de eu entender que, ao fim de mais de dez anos de experiência, é importante reflectirmos, corrigirmos o que está errado e aceitarmos que o sistema de justiça também tem, ele próprio, na sua concepção institucional, entropias, que não lhe permitem, só por si, responder ao conjunto de exigências que estão aqui em causa.
Relativamente à autonomia do Ministério Público, que era, no fundo, a questão que resultava da intervenção de V. Ex.", disse claramente que sou favorável a essa autonomia. Aí também não tenho tergiversasões e o que disse foi apenas isso — se me permitem a ausência de pedantismo, estava a fazer uma intervenção de natureza teórica.
O que eu disse foi que a autonomia do Ministério Público não tem de ser constitucionalizada, porque isso não está na natureza das coisas. Enquanto que a independência dos tribunais está na natureza das coisas e tem, portanto, de ser sempre constitucionalizada, a autonomia do Ministério Público não tem necessariamente de o ser — o que não quer dizer que deixe de o ser —, pois isso resulta da opção do legislador em cada momento. Mas daqui não se conclua que quero desconstitucionalizar a autonomia do Ministério Público para, depois, assumir a opção legislativa de a retirar.
Certamente que a questão é-me colocada partindo do princípio que o Ministro responde a partir da sua convicção e a minha convicção é essa. É importante que tenhamos as referências teóricas do sistema e, uma vez que a questão me é colocada, respondo que não há necessidade de ela ser constitucionalizada. Cria-se a ideia de que um Ministério Público não autónomo é uma expressão de um Estado antidemocrático ou uma negação do Estado de direito, o que não é verdade, pois todos sabemos que há muitas opções de Estado de direito e de Estado democrático cujos ministérios públicos não têm autonomia. Ora, não podemos, aí, criar confusões de concepção e, se formos claros nas concepções teóricas, com certeza que saberemos extrair as decorrências práticas com maior facilidade.
Quanto ao controlo dos rendimentos dos magistrados, posso dizer-lhe, Sr. Deputado, que, eu próprio, há muito tempo coloquei essa questão à associação sindical e devo dizer-lhe que nunca fui estimulado para tratar desta matéria do estatuto dos juízes, talvez por uma questão de preconceito inconsciente ou de prejuízo inconsciente. Entendi que esta era uma matéria para tratar ex professo, em sede de controlo de rendimentos dos titulares de cargos públicos e não no estatuto de cada profissão e não é por uma opção em concreto que a não incluo no estatuto dos magistrados.
O que entendo — e os próprios Magistrados manifestaram-me abertura nesse sentido — é que, dadas as razões
pelas quais se julga dever proceder-se ao controlo dos rendimentos dos titulares de cargos públicos, nada impede que também se proceda ao controlo dos rendimentos dos magistrados. E gostaria muito que se evitasse o caminhar de suspeição em suspeição até que, um dia, se chegue também à suspeição dos magistrados.
Assim, entendo que, nesta matéria, mais vale prevenir do que remediar e, dado este não ser um controlo repressivo sobre os títulares de cargos políticos, não vejo qualquer impedimento a que os magistrados não estejam também sujeitos a esse controlo — e, pelos vistos, eles próprios também assim o entendem.
O Sr. Alberto Costa (PS): — Sr. Ministro, permite-me uma pergunta adicional?
O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Alberto Costa (PS): — Quando o Sr. Ministro se refere aos magistrados está a pensar em magistrados judiciais e do Ministério Público ou, neste ponto, está a pensar em seccionar essa realidade da magistratura?
O Orador: — Sr. Deputado, com toda a franqueza, acho essa opção menor. Se se quiser optar por referir os titulares de órgãos de soberania, evidentemente que o magistrado do Ministério Público não é titular de um órgão de soberania. No entanto, essa é uma opção que, neste momento, não me parece ser nem uma opção de fundo nem particularmente importante.
Se se quiser limitar esta medida a titulares de órgãos de soberania e o diploma for relativo a esses, essa distinção terá de ser feita. Mas se não se quiser ir por aí, não vejo que haja uma absoluta necessidade de o fazer. Suponho que é apenas nesta referência teórica que se encontrarão as respostas para a questão que V. Ex." acaba de colocar.
Passaria agora às intervenções anteriores, tentando ser o mais breve possível.
A Sr." Deputada Margarida Silva Pereira colocou aqui uma preocupação que, no fundo, é de todos nós e que vai, com certeza, encontrar resposta, pois temos sempre a garantia de serem encontradas respostas adequadas às preocupações universais.
No entanto, devo dizer-lhe, Sr.a Deputada, que continuo a entender que, quando — e não é com certeza o seu caso —, perante preocupações que resultam de algumas mutações no domínio da criminalidade, consideramos que o Código Penal surge como um instrumento para responder a esse tipo de preocupações, enquanto preocupações de segurança e de garantia de segurança, damos sempre um mau passo relativamente àquela que venha a ser a configuração final do Código Penal.
Evidentemente que o Código Penal tem também a sua função em matéria de segurança e tem-na no domínio da prevenção especial, da prevenção geral, da própria função ético-retributiva e, muito, no domínio do que se diz hoje ser a prevenção geral positiva, ou seja, na garantia da afirmação da norma e de que a norma funcione. Nesse caminho não temos nenhuma razão específica que nos leve a mudar a estrutura cultural da legislação penal portuguesa e é também aí que de alguma forma me inscrevo. Ou seja, não estamos perante uma situação de crise que justifique uma modificação estrutural da posição cultural face à intervenção criminal, a não ser que essa situação de crise fosse tal que todos os instrumentos e respostas seriam instrumentos de crise. Nao é claramente o caso.