7 DE DEZEMBRO DE 1994
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Srs. Deputados, surgiu uma pequena alteração em relação ao que disse anteriormente, uma vez que o Sr. Ministro da Justiça manifestou interesse em fazer uma intervenção inicial sintética e, portanto, será essa a metodologia que utilizaremos nesta audição.
Assim, vou dar a palavra ao Sr. Ministro para fazer uma intervenção inicial e os Srs. Deputados inscrever-se-ão para colocarem questões que decorram dessa intervenção ou que já tenham programado, quer em face da documentação distribuída quer das. próprias concepções e observações que transportam do debate na generalidade.
Tem a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, quero manifestar o gosto que tenho em voltar a encontrar-me nesta Comissão e em poder expor, perante vós, não só o que, na área que hoje nos ocupa, considero ser a situação da justiça e da responsabilidade do Ministério da Justiça em Portugal, neste momento, mas também debater com os Srs. Deputados todas as questões que resolvam colocar, no seguimento da minha intervenção inicial e das vossas próprias preocupações, independentemente do conteúdo da intervenção.
Justamente para podermos passar o mais rapidamente possível à fase de perguntas e respostas e, portanto, ao debate, se me permitem, farei uma primeira intervenção apenas por grandes tópicos, um pouco ao contrário do tradicional, sobre as áreas essenciais de intervenção do Ministério da Justiça, deixando o seu aprofundamento para as respostas, se for caso disso, as quais ficarão a cargo de mim próprio, do Sr. Secretário de Estado Adjunto ou da Sr.° Secretária de Estado da Justiça.
Começo por dizer que o objectivo deste Orçamento do Estado para 1995 é, claramente, no sentido da continuação de uma política de fundo que apostou na recuperação progressiva e gradual de todo o sistema e, por isso, não foi concebida como uma política de legislatura. Recordo que isso foi afirmado no momento em que discutimos o primeiro orçamento, ou seja, a nossa perspectiva era a de olhar o sistema de justiça, considerar as várias lacunas que existiam nos seus vários sectores e propor uma intervenção que tinha esta legislatura como um primeiro passo significativo de recuperação da globalidade do sistema e, simultaneamente, como tempo e espaço de projecção de uma política que apontava claramente para a recuperação do sistema até ao fim do século. É nesta perspectiva, por um lado, de balanço e, por outro, prospectiva, face àquilo que importa ainda fazer, que valorizamos o conteúdo do orçamento que apresentamos neste momento à Assembleia da República.
Como é sabido, o total consolidado do Orçamento do Estado para 1995, na área da justiça, é de 123,1 milhões de contos, sendo certo que, através de uma análise imediata que nos permita fazer a distribuição entre despesas de funcionamento e investimento, podemos constatar um aumento de 9,2 % em despesas de funcionamento, as quais se cifram, neste momento, numa previsão de 104 682 646 contos, e de 13% em despesas de investimento, relativamente a 1994, que se apresentam com um total previsto de 16 841 200 contos.
Ora, de acordo com a conjugação destas duas previsões, as quais se repercutem nos 123,1 milhões de contos, em termos consolidados, privilegiamos, por um lado, o aumento das despesas previstas para o Ministério da Justiça no ano de 1995 e, por outro, a garantia da consolidação das
reformas que vimos introduzindo desde o início da Legislatura.
E importante salientar que, no plano do investimento, onde tivemos uma posição política forte, visto que importava recuperar claramente vários sectores, sobretudo em matéria de instalações e tecnologias, o acréscimo que temos vindo a conseguir progressivamente, ao longo dos anos, permite-nos dizer que, entre 1991 e 1995, na área da justiça e apenas em matéria de investimento, a intervenção atingiu o montante de 64 milhões de contos. Isto tem permitido tornar consequente um conjunto de acções convergentes com o discurso para a área da justiça, ou seja, há uma política de justiça para Portugal e, até agora, houve um conjunto de acções práticas concretas que, no fundo, são a confirmação.no terreno da bondade dessa política.
Como tive ocasião de afirmar quando me dirigi à 1." Comissão, quando falo em política de justiça com referência ao último ano da Legislatura, faço-o na perspectiva de que seria essencial o estabelecimento de um consenso político e político-partidário sobre, os seus contornos globais. Não me refiro, obviamente, a um pacto de regime mas a um consenso que arranque da ideia, comum a todos nós, de que a justiça é, ela própria, uma questão de Estado e, como tal, é fundamental que as grandes linhas de uma política de justiça obtenham o máximo de consenso entre os vários partidos, para que a alternância democrática, a existir, não ponha em causa aquilo que, no fundo, é estrutural ao nível dessas políticas de intervenção na área da justiça. Justamente por isso, tal como tive ocasião de dizer no início desta intervenção, deixo aqui apenas os tópicos nucleares dessa política, não aprofundando cada um deles, para que nos reste tempo suficiente para um debate que é sempre enriquecedor.
Como núcleo fundamental, como tópico essencial da política de justiça, foi avançada por nós, desde o primeiro momento, a ideia da importância do cidadão, a afirmação do lugar do cidadão como vértice de todo o sistema de justiça e a atribuição clara ao cidadão concreto, enquanto tal, do papel decisivo na definição das políticas, das estratégias e dos objectivos a atingir.
O recurso não à ideia abstracta do século xix mas a esta ideia real e concreta do século xx do cidadão como núcleo central do sistema de justiça, permite-nos também afirmar, em termos de opção ideológica — e é importante que se fale também de ideologias—, o Estado dos cidadãos versus o Estado das instituições.
É óbvio que as instituições são fundamentais, é.evidente que, num Estado de direito, o papel das instituições é decisivo, mas, quando confrontadas com os cidadãos, essas instituições, embora decisivas, não deixam de perder natureza instrumental face àquilo que é verdadeiramente substancial, face ao relevo a atribuir ao cidadão concreto enquanto tal e à relação dinâmica a estabelecer entre este e as instituições.
Ora, a partir desta perspectiva, direitos que eram considerados importantes passam a ser nucleares, essenciais, e passam a resultar não de um dever originário do Estado mas de um direito originário do cidadão. Ou seja, há um conjunto de direitos .que perdem a vertente essencial de dever por parte do Estado, para ganharem a vertente dc direito por parte dos cidadãos. Daí que o cumprimento do correspondente dever por parte do Estado não releve de uma atitude política estratégica de opção mas de uma atitude política essencial de intervenção.