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15 DE DEZEMBRO DE 1992

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mos à disposição quer do Governo quer dos outros Srs. Deputados para se encontrar as soluções mais adequadas.

O Sr. Presidente (Guido Rodrigues): — Srs. Deputados, apelo de novo a VV. Ex." no sentido da maior concisão possível na colocação das questões, sem prejuízo, evidentemente, da apresentação das diversas matérias.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado losé Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): — Sr. Ministro, penso que a grande questão que se coloca neste debate, na especialidade, do Orçamento do Estado para 1993, é um pouco repetitiva em relação aos anos anteriores. Na verdade, em nossa opinião, há sempre uma enorme diferença entre o que se diz e o que está consagrado no Orçamento. Este é, de facto, um drama da política de ambiente, onde é, particularmente, evidente que o discurso não condiz com o Orçamento. Há muitas palavras e poucas obras! Isto é um facto que não é de hoje, nem de ontem, já dura há mais de sete anos, pois tem vindo a verificar-se desde 1985.

Ora em termos de política de ambiente, esta situação é ainda mais grave, uma vez que estamos no domínio de uma política que deveria ser de verdade, pois entendo que não há política de ambiente sem informação verdadeira entre o Governo e os diferentes povos. Portanto, a inexistência de um discurso de verdade na política de ambiente ainda é mais grave do que em qualquer outra política.

Com efeito, o discurso político do Governo tem, simplesmente, servido para enroupar aquilo que é uma enorme debilidade ao nível do Orçamento, que é fraco, chocho, e, desde sempre, pequeno, pobre e enroupado em discursos sobre orientações políticas e sobre doutrina. Mas a verdade é que as orientações políticas definidas no discurso não têm qualquer cabimento no Orçamento.

Por outro lado, o discurso também não é grande coisa, uma vez que nem sequer consegue esconder as deficiências do Orçamento e, portanto, também não o posso aplaudir.

Vejamos o que é dito nesse discurso. Em primeiro lugar, arranja-se uma frase de gosto duvidoso, que, em minha opinião, é mesmo uma adaptação grosseira, e diz-se: «Aproximar o país real do país legal.» Esta é a grande orientação política do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, mas o que é que significa? Que S. Ex." o Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais vem aqui reconhecer que existem dois países, um real, que, presumo, diz respeito à actividade económica, e um legal, onde existem leis que não são cumpridas. Portanto, o Sr. Ministro apresenta-se aqui perante os Srs. Deputados dizendo: não sou capaz de aplicar a lei! Há que tempos que não sou capaz de aplicar a lei e o grande objectivo do meu governo é fazê-la aplicar!

Recordo, entretanto, que o Sr. Ministro não está, propriamente, há três ou há quatro meses no Govemo, mas já está há tempo suficiente para fazer aplicar a lei. Faz, por isso, aqui a confissão de culpa de que não consegue aplicar a lei. Ora a única vantagem disto está em reconhecer, de facto, que é muito difícil fazer aplicar a lei e que um dos grandes dramas da políüca de ambiente é a incapacidade para fazer cumprir a lei. Em face disto, fazemos todos um esforço no sentido de que venha a fazer cumprir a lei.

Mas o pensamento de que é preciso aproximar o país real do país legal pode dar a ideia falsa, menfiro.sa e mistificadora de que o País tem o seu problema resolvido

ao nível da legislação, pelo que o único problema que subsiste é o de concretizar a legislação. Isto é, temos todas as leis feitas, pelo que agora temos só de as aplicar. Ora isto não é verdade, é uma pura mistificação. Querem exemplos? Eu dou-vos exemplos!

Assim, no que respeita à estratégia de conservação da natureza há mais de cinco anos que esta matéria é discutida e que se promete (não só o Sr. Ministro Carlos Borrego, mas também os ministros anteriores): vem já aí, esperem mais um bocadinho, tenho a lei no bolso, daqui a três dias vem a lei!... Mas a estratégia de conservação

da natureza nunca aparece.

E a lei quadro das áreas protegidas? Dizem que foi aprovada no Conselho de Ministros, mas ainda não está publicada. No entanto, repare-se, esses argumentos serviram para chumbar a lei do PS já por duas vezes e estamos, há mais de cinco anos, à espera da lei quadro das áreas protegidas, que já foi prometida em dois programas de Governo. E, mais, trata-se de uma imposição criada pela Lei de Bases do Ambiente.

E o que é que se passa com a lei dos impactes ambientais, que só o facto de o Govemo estar a preparar nova legislação sobre a matéria também já serviu para chumbar uma proposta do Partido Socialista? Onde é que está a nova lei sobre os impactes ambientais? Não existe, porque o Sr. Ministro, tendo-a prometido há mais de um ano, não foi capaz de a apresentar aqui. E continuamos com as consultas públicas, que, como sabemos, são verdadeiras monstruosidades do ponto de vista da participação tão desejada dos cidadãos na decisão política que diz respeito ao ambiente, e continuamos sem parecer vinculativo e a analisar os projectos apenas numa fase terminal, o que quer dizer apenas uma coisa: é que os estudos de impacte ambiental não têm sido mais do que meros expedientes para justificar, ambientalmente, decisões técnicas já tomadas. Limitei-me a citar estes exemplos, mas há mais.

Na verdade, penso que devemos ser um dos poucos países da Comunidade Europeia que tem um vazio legal total relativamente à poluição atmosférica. Ora, o Sr. Ministro não pode invocar que desconhece este facto, uma vez que se trata de uma matéria da sua especialidade, enquanto professor universitário. De facto, há dois anos atrás, num comentário que anotei, dizia o Sr. Ministro que o facto de se ter feito um decreto-lei sem especificar nele os limites máximos, os valores admissíveis e os valores guia para os diversos poluentes atmosféricos tinha sido um mau serviço que se prestou ao ambiente. Ora isto dizia o Sr. Ministro há cerca de dois anos! Mas e as portarias, Sr. Ministro? Conseguiu concretizá-las? Não foi capaz! E, agora, vivemos ainda sem portarias, num vazio legal total relativamente à poluição atmosférica.

Creio que basta para ilustrar a inverdade do que foi aqui dito. É que não temos país legal, em termos ambientais, porque há muito a fazer no que respeita à legislação ambiental, que o Govemo não foi capaz de fazer ao longo dos últimos sete anos. Isto já para não recordar a lista extensa de regulamentação que é preciso fazer da Lei de Bases do Ambiente, pois, como sabe, há muito trabalho a fazer principalmente no que diz respeito à abertura de espaços de participação dos cidadãos na reinvindicação do seu direito ambiental. Portanto, a frase «aproximar o país real do país legal» é infeliz e mistificadora — uma vez que não temos ainda país legal, é preciso criá-lo — e apenas serve para, com alguma razoabilidade, diga-se, reconhecer que o Sr. Ministro não foi capaz de fazer aplicar a lei.