15 DE DEZEMBRO DE 1992
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Devo dizer que concordei com poucas das coisas que a Sr.* Deputada Leonor Coutinho disse, contrariamente ao que costuma suceder.
Gostava de começar por dizer-lhe que considero ilegítima — e faço um apelo à seriedade política com que costuma intervir nos debates — a comparação misüficante feita dos Orçamentos do Estado. Quando diz «gastam-se 20 milhões de contos na construção de estradas e, no fim de contas, gasta-se 'não sei quanto' nas casas», quer fazer crer que as estradas são mais importantes que as casas, o que constitui uma mistificação.
O Governo tem dito e faz parte da sua políüca — e julgo que também foi uma políüca sustentada pelo Partido Socialista— que as casas são uma despesa directa do cidadão. Claro que tudo consütui despesa do cidadão; mesmo aquilo que se diz que é do Estado é uma despesa indirecta do cidadão, mas as casas são uma despesa directa do cidadão. Com as estradas, o raciocínio não é o mesmo, porque os cidadãos não podem fazer estradas. Só o Estado tem essa possibilidade, se bem que possa fazer uma concessão para a sua construção, mas só o Estado tem a competência exclusiva da sua construção.
Portanto, toda a despesa que aparece no orçamento como despesa de estradas é realmente toda a despesa feita em estradas no País, juntamente com as câmaras, ou seja de enüdades públicas. Não há outra alternativa!
No caso da habitação, as coisas passam-se de forma diferente. Mas poder-me-á dizer a Sr." Deputada se fizer um grande apelo à sua costela socialisui, «mas não devia ser, porque o Estado devia pagar as casas aos cidadãos». Não estou de acordo com isso! É uma despesa directa do cidadão e é também uma das suas maiores e mais importantes necessidades; por isso, o lacto de ser uma necessidade não significa que não possa ser uma despesa directa. Por exemplo, a alimentação é mais importante do que a habitação, no entanto o Estado só muito marginalmente despende recursos com ela pois trata-se de uma despesa direcui do cidadão.
Qual é aqui o papel do Estado? É o de ajudar socialmente quem não tenha recursos para poder fazer essa despesa ou, pelo menos, para poder fazê-la integralmente. O Estado tem aqui uma função complementar, mas nem por isso deixa de a levar a sério e de despender imensos recursos.
Portanto, o que está a tentar comparar é, no fim de contas, uma acção complementar com uma acção exclusiva do Estado, pelo que não é legítimo fazer tal comparação e dizer que existe prioridade de uma em relação a outra.
Espero, uma vez por todas, que essas comparações deixem de ser feitas, porque não são legítimas nem politica-mente sérias. Dizer isso é o mesmo que dizer que o Estado gasta muito mais em estradas do que com a alimentação das pessoas. Toda a gente sabe que isso é verdade, pois a alimentação é uma despesa directa das pessoas e os gastos com as estradas são uma despesa indirecta porque é feita através dos impostos pagos.
Portanto, é o Estado e são as autarquias que despendem o dinheiro na construção das estradas e é o cidadão que o gasta na habitação, por isso a comparação é inteiramente ilegítima.
Vamos agora examinar o que é que se passa com a habitação, para que a Sr." Deputada não fique com uma impressão tão negra deste orçamento.
O primeiro e o mais importante número respeitante à habitação, que, aliás, foi sempre apresentado pelo Partido Socialista é o que diz respeito aos fogos construídos — mas,
como é muito favorável, talvez não sirva à Sr.* Deputada e, por isso, lenhamos de procurar outro!...
Provavelmente, no ano de 1992 vamos atingir, em Portugal, um total de 70 000 fogos construídos. É, de facto, um recorde absoluto. Recordo à Sr." Deputada que ainda há sete ou oito anos o grande objecüvo do Governo era o da construção de 50000 fogos e, nessa altura toda a gente dizia que era irrealismo, que não se podia fazer isso em Portugal, porque nem havia empreiteiros suficientes nem cimento e ferro que chegassem. Tratava-se de um sonho, porque se construíam normalmente 30 000 fogos.
Só que a Sr.* Deputada vem agora dizer que se constroem 70 000 casas, mas que elas se destinam apenas aos ricos, e não aos pobres. Devo dizer-lhe que isso não é verdade — mas, se assim fosse, era bom sinal, pois havia mais ricos porque podiam comprar as casas—, porque, se formos ver, todos os valores respeitantes a casas sociais ou a casas subsidiadas pelo Estado aumentaram de uma forma explosiva. Neste momento, destas 70 000 casas 13 % são subsidiadas pelo Estado. Nunca se chegou a este número!
Mas conünuemos a analisar os outros números que têm a ver com a habitação. Por exemplo, no que se refere a aprovações de contratos, enquanto no ano de 1991-1992 o seu número aumentou 25,7 %, para este ano está previsto um aumento de 33,6 %, e o orçamento dá para isso. Nada aumenta 33,6 % ao ano e muito menos o custo de vida felizmente. Portanto, todos os valores crescem em percentagem e, se for necessário, enumero-os um a um, porque não há valores desfavoráveis. Por isso, a Sr." Deputada não pode dizer que a habitação tem vido a decrescer, porque isso também se verifica nos censos estatísticos.
Sr." Deputada aceito a sua crítica pois ela é legítima quando diz que ainda não chegámos à solução integral do problema da habitação; no entanto, não posso aceitar que a Sr.' Deputada diga que a situação tem vindo a piorar e, muito menos, que não tem vindo a melhorar, porque os números desmentem-na totalmente.
Já agora, deixe-me dizer-lhe isto: não sei se se associa àquela ideia que tem sido propalada sem qualquer fundamento, de que as câmaras não têm nada a ver com o problema da habitação. Quando os impostos sobre a habitação são, na sua esmagadora maioria receita das câmaras e quando os terrenos são dados, vendidos ou custeados por elas, não compreendo como é que se pode dizer que o problema da habitação nada tem a ver com elas! Terá, então, a ver com os beneficiários, com os arrendatários ou com os senhores feudais da habitação? Não é assim. As câmaras têm, de facto, e até legalmente, muito a ver com a habitação.
A Sr." Deputada não sabe — e com isto respondo também ao Sr. Deputado João Matos — que todos os programas de habitação social da Câmara de Lisboa, ou quase todos, são, na sua maior parte e alguns na sua totalidade, financiados pelo Governo.
É claro que isto permite às câmaras, nomeadamente à Câmara Municipal de Lisboa lançar uma campanha publicitária gigantesca que, provavelmente, deve ter custado o equivalente a 200 casas para famílias que vivem em barracas— pelas minhas contas, dá mais ou menos isso. Cada vez que há uma campanha eleitoral na televisão, ficam 200 famílias a viver em barracas, mas isso é um problema que cabe à câmara decidir.
Refiro-me às campanhas da Câmara a dizer que faz habitações. É verdade que as faz, isto é, autoriza e cede o terreno, mas quem financia é o Governo; no entanto, nada tenho a reclamar contra isso, pois o que interessa é que as pessoas lenham casa.